Eventos Culturais

Espetáculo “Para Meu Amigo Branco”, sob direção de Rodrigo França, está em cartaz na Arena do Sesc Copacabana

Conflito entre um pai negro e um pai branco no ambiente escolar traz à tona reflexões sobre o racismo estrutural brasileiro

Como se constrói um racista? Onde aprendemos a ser racistas? Dirigida por Rodrigo França, a peça “Para Meu Amigo Branco”, vencedora do Edital Sesc RJ Pulsar 2022, leva à cena reflexões sobre o racismo estrutural brasileiro na Arena do Sesc Copacabana. Assinada por Rodrigo e Mery Delmond, a dramaturgia inédita é inspirada no livro homônimo do jornalista e apresentador Manoel Soares e trata de um episódio de racismo entre crianças da escola. A menina Zuri, de 8 anos, é chamada pelo coleguinha de “negra fedorenta da cor de cocô”. Ao solicitar explicação à escola, o pai da menina, Monsueto (Reinaldo Júnior, indicado ao Prêmio Shell de melhor ator em 2023), descobre que o racismo sofrido por sua filha estava sendo tratado como “coisa de criança”, bullying. No elenco estão ainda Alex Nader, Stella Rodrigues e Mery Delmond. A peça tem sessões de quinta a domingo, às 20h, até 20 de agosto.

Na trama, as contradições e a falta de posicionamento da escola dão o tom do conflito de um pai negro e um pai branco, que minimiza a dor e sofrimento dessa família (preta). A trama traz à tona as primeiras construções sociais racistas, quando pais e filhos, ainda na tenra infância, se dão conta de que a sociedade não destina o mesmo tratamento para pretos e brancos.

“É um dos poucos espetáculos no país que coloca a branquitude nua. Normalmente, nós, pessoas pretas, somos colocadas como objeto, elemento de pesquisa, ou estamos falando para nós mesmos”, analisa o diretor. “Estamos falando para a branquitude de uma forma muito direta”, afirma.

No livro de Manoel Soares, o apresentador afirma ter escolhido a arma do afeto não para queimar os racistas, mas “para queimar o racista dentro de você”, amigo branco. A obra de Rodrigo e Mery adiciona novas camadas: “Embora o Manoel tenha uma prática muito válida que é discutir o racismo a partir do afeto, a gente aponta também outras formas, inclusive a do grito”, explica Rodrigo “O grito também é legítimo e cada ação varia de acordo com as circunstâncias e pessoas envolvidas”.

A direção artística de Rodrigo França localiza essa discussão numa sala de aula branca. Na disposição da Arena do Sesc Copacabana, a intenção é criar essa atmosfera na qual o público é situado dentro da própria discussão. “A encenação e o cenário não dividem palco e plateia: é tudo uma coisa só”, diz. “É uma história para ser contada de uma maneira muito direta”.

Autora da peça ao lado de Rodrigo e atriz do espetáculo, Mery Delmond conta que os dois visitaram diversos colégios para produzir a dramaturgia. “A partir do olhar sobre a branquitude, a peça desnuda as problemáticas do racismo e localiza o ‘sujeito branco’ como um indivíduo racializado dentro da estrutura de uma sociedade ainda tão racista como a nossa”, diz.

Para Manoel Soares, o histórico de racismo no Brasil coloca as vitórias da comunidade negra sempre em segundo plano. “Tudo que os pretos têm de positivo acaba sendo ofuscado pela agenda da dor. Essa agenda só vai deixar de existir se for dividida com as pessoas de pele clara”, analisa o comunicador e ativista.

A idealização e produção do espetáculo é do diretor, produtor teatral e jornalista João Bernardo Caldeira, para quem Manoel contou, numa entrevista, o caso de racismo que viveu com um de seus filhos na escola. “Quando o João me procurou para transformar em uma peça de teatro, eu fiquei surpreso, até receoso, porque achei que não teríamos um grupo de pessoas com a coragem de levar esse questionamento para os palcos”, conta Manoel. “A sua insistência e a chegada do Rodrigo me mostraram que essa história não era mais minha, mas das pessoas, uma construção que vem de longe, como diz Conceição Evaristo”.

Com doutorado em andamento na ECA-USP sobre a chegada das pautas antirracistas, feministas, LGBTQIA+ e decoloniais à cena teatral contemporânea, João Bernardo conta o que o motivou a levar a obra aos palcos: “Quando li ‘Para Meu Amigo Branco’ fiquei absolutamente fascinado com a força e objetividade da proposta do Manoel Soares de discutir racismo com as pessoas que precisam ser transformadas para que o racismo acabe: os brancos”, conta. “Em nossas conversas, Manoel me explicou que, ao longo de sua vida, depois de buscar diferentes estratégias e passar por situações difíceis e aviltantes como aquela contada na peça, passou a apostar na via do afeto para queimar o racista que existe dentro de nós, brancos”, diz.

O texto escrito por Rodrigo e Mery acrescenta novos olhares sobre o livro e propõe uma dramaturgia que rompe com os conflitos e subjetividades habitualmente destinados a personagens negras e brancas. “A peça coloca personagens e subjetividades negras em posição de protagonismo, como também oferece ao público branco personagens brancos que possam inspirá-lo a se racializar e dar os seus próprios passos rumo à transformação”, completa João Bernardo.

Sinopse

Pais e professores discutem o caso de racismo vivido pela menina Zuri, de 08 anos, chamada de “negra fedorenta” por um colega branco da escola.

Direção e texto – Rodrigo França

Cineasta, articulador cultural, ator, diretor, dramaturgo, escritor e artista plástico. Filósofo político e jurídico, atuando como pesquisador, consultor e professor de direitos humanos fundamentais. É ativista pelos direitos civis, sociais e políticos da população negra no Brasil. Ganhou o Prêmio Shell de Teatro 2019, na categoria Inovação pelo Coletivo Segunda Black, no qual é cocriador e curador, iniciativa também contemplada com o 18º Prêmio Questão de Crítica. Começou em 1992 sua carreira de ator no teatro e cinema. Já trabalhou em quarenta e dois espetáculos como ator e oito como diretor. Escreveu sete espetáculos teatrais, entre eles: “O Pequeno Príncipe Preto”, “Capiroto” e “Inimigo Oculto”. Entre as peças que dirigiu estão: “Oboró – Masculinidades Negras”, “O amor como revolução”, “Enlaçador de mundos” e “Jorge para sempre Verão”. No cinema dirigiu “Como esquecer um grande amor”.

Ator – Reinaldo Júnior

Ator, diretor e preparador de elenco, Reinaldo Júnior é cria de Mesquita, Rio de Janeiro, e foi indicado ao Prêmio Shell 2023 na categoria Melhor Ator pelo espetáculo “O Grande Dia”, idealizado pelo ator, com texto e direção de André Lemos e realização da Confraria do Impossível, da qual é cofundador. Possui mais de 20 indicações em diversas categorias de importantes prêmios de teatro do Brasil (Shell – Cesgranrio – APTR – UBUNTU – Cenym – Olhares da Cena). Fez parte do elenco do espetáculo “Salina, a Última Vértebra”, da Cia. Amok Teatro, em turnê internacional na China em 2016 e 2018. Participou ainda, como ator, de mais de 35 espetáculos, dentre eles: “Mercedes” – Grupo Emú, “Guanabara Canibal” – Aquele Cia, “Óboro Masculinidades Negras” – direção de Rodrigo França, “Esperança na Revolta” – Confraria do Impossível, André Lemos. Como membro da Confraria, é gestor do Quilombo Cultural Urbano e do Teatro Chica Xavier. É cofundador do Grupo Emú de Teatro Negro e idealizador e curador da Segunda Black (Prêmio Shell 2019). Participou de diversas iniciativas no audiovisual, como “Falas Negras” (2020), direção Lázaro Ramos, e novela “Vai na Fé” (2023), ambas na Rede Globo, filmes “O Faixa Preta” (2023) na HBO Max, “Barba, Cabelo e Bigode” no Netflix, “Mussum o Filmis” na Globo Filmes e “Nosso Sonho, A cinebiografia de Claudinho e Buchecha”, com a Urca Filmes. Foi preparador de elenco ou diretor de movimento de peças como “Esperança na Revolta”, “O Grande Dia” – Confraria do Impossível, “Wil Wil conta Benjamim”, “Benjamim te Sigo daqui – Inepta Cia”.

Ator – Alex Nader

Alex Nader começou no teatro aos 11 anos, estudou com Domingos Oliveira, Hamilton Vaz Pereira, Moacir Chaves, Fabio Barreto entre outros e se profissionalizou em 1998. Formou-se em Cinema pela Unesa em 2003, desde então vem trabalhando com renomados diretores no Teatro, TV e Cinema. No Teatro destaca-se “O Âncora”, “Caranguejo Overdrive” vencedor dos prêmios Cesgranrio, Shell e APTR nas categorias Texto e Direção, “Navalha na Carne”, uma Homenagem para Tônia Carrero, “A Paz Perpétua” com Direção de Aderbal Freire Filho, “Répétition”, direção Walter Lima Jr e “Não Sobre Rouxinóis” Direção João Fonseca e Vinícius Arneiro. Na TV seus últimos trabalhos foram a novela “Quando Mais Vida Melhor” da TV Globo, as séries “Amar É Para Os Fortes” na Amazon, ainda sem data de estreia, “Arcanjo Renegado” dirigido por Heitor Dália e também está na segunda temporada da série “A Divisão” dirigido por Vicente Amorim, ambos para a Globoplay. Já no Cinema seus principais trabalhos são os longas “Alemão 2”, direção de José Eduardo Belmonte, “Macabro” de Marcos Prado e “Motorrad” de Vicente Amorim.

Atriz – Stella Maria Rodrigues

Stella é atriz, cantora e produtora com mais de 30 anos de carreira. Formada pelo Centro de Artes Calouste Gulbenkian, tem uma vasta e prestigiada carreira nos palcos brasileiros. Dentre os inúmeros espetáculos que a atriz participou, destacam-se: O Abre Alas- 150 anos de Chiquinha Gonzaga, Cole Porter, ele nunca disse que me amava, Suburbano Coração, A Ópera do malandro, A Presença de Guedes direção de Irene Ravache e Toilete de Walcyr Carrasco. Entre 2017 e 2019 protagonizou o espetáculo musical “Emilinha”, onde deu vida à cantora Emilinha Borba. O espetáculo fez muito sucesso e rendeu à atriz diversas indicações a prêmios importantes do teatro brasileiro. Em 1997 obteve destaque na telenovela Por Amor, de Manoel Carlos, onde deu vida à Zilá, a empregada da casa. No mesmo ano protagonizou a peça Uma Professora Maluquinha, sua atuação lhe rendeu uma indicação de melhor atriz no Troféu Mambembe.

Atriz e texto – Mery Delmond

Atriz, produtora, diretora e roteirista, dedica-se ao desenvolvimento de projetos criativos e culturais desde 2015 e em parceria com a produtora Diverso Cultura e Desenvolvimento, implementou vários projetos na área do teatro, cinema/audiovisual, música e literatura com enfoque em questões raciais, gênero e diversidade. Dentre as produções destacam-se: Contos Negreiros do Brasil, Oboró Masculinidades Negras, O amor como Revolução, O Pequeno Príncipe Preto e Inimigo Oculto. Realizou a direção de produção do clipe “Ombrim’’ do cantor Projota, com direção de Lázaro Ramos, do curta-metragem “Como Esquecer um Grande Amor” e do minidocumentário “Macbeth Preto – Processo de Criação”, com roteiro e direção de Rodrigo França. Em 2020 e 2021, participou como assistente de roteiro da série “Sem Filtro” que estreará em 2023 na Netflix. Atualmente, integra o elenco do espetáculo “Contos Negreiros do Brasil”, de Marcelino Freire e direção de Fernando Philbert.

Idealização e produção – João Bernardo Caldeira

Graduado em direção teatral e comunicação pela UFRJ e mestre em artes da cena pela mesma universidade, João Bernardo Caldeira é autor, diretor, professor, produtor e pesquisador teatral, além de jornalista cultural. Pós-graduado em Gestão Cultural pelo Itaú Cultural e doutorando em artes cênicas pela ECA-USP, pesquisa as cenas antirracista, feminista, LGBTQIA+ e decolonial contemporâneas. Dirigiu, produziu e escreveu espetáculos como “Avenida Central”, “Atafona O Fim” e “Eu Quem Eu Somos”, realizados pelo Coletivo Cosmogônico (RJ). Produziu ainda espetáculos como “Funk Brasil – 40 Anos de Baile”, “Os Ruivos”, “A Natureza do Olhar”, “A Bruxinha Que Era Boa” e “Agora É Tempo”. Desde 2008, é colaborador do caderno de cultura Eu&, do jornal Valor Econômico. É um dos organizadores da série de livros “Contranormativo”, editados pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e o Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da Universidade de São Paulo (Prolam).

Ficha Técnica:

Inspirado no livro de Manoel Soares

Texto: Rodrigo França e Mery Delmond

Direção: Rodrigo França

Elenco: Reinaldo Junior e Alex Nader

Atrizes convidadas: Stella Maria Rodrigues e Mery Delmond

Direção de movimento: Tainara Cerqueira

Cenário: Clebson Prates

Figurino: Marah Silva

Iluminação: Pedro Carneiro

Trilha sonora original: Dani Nega

Consultoria pedagógica: Clarissa Brito

Consultoria de representações raciais e de gênero: Deborah Medeiros

Fotografia: Afroafeto por Gabriella Maria

Identidade visual: Nós Comunicações

Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)

Contabilidade: Cristiano Geraldo Costa dos Santos

Produção executiva: Gabriel Garcia e Leticia Kaminski

Direção de produção: João Bernardo Caldeira e Alexandre Galindo

Coordenação administrativa: Paula Martinez Mello

Idealização e coordenação de produção: João Bernardo Caldeira

Realização: Oswaldo Caldeira Produções, Tiago Monteiro Cardozo e Sesc RJ Pulsar

Serviço:

“Para meu amigo branco”

Gênero: drama

Temporada: De 27 de julho a 20 de agosto de 2023

Dias e horários: de quinta a domingo, às 20h

Local: Arena do Sesc Copacabana

Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro – RJ

Ingressos: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)

Informações: (21) 2547-0156

Lotação: 242 lugares

Classificação indicativa: 14 anos

Duração: 70 min

Bilheteria – Horário de funcionamento: terça a domingo, das 14h às 20h.

***O texto acima é de inteira responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal S4.

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