Especial

A experiência de Juliane Viana em Fernando de Noronha durante a quarentena

Brasil, 2020. Em março foi decretado quarentena no Brasil e eu estava apreensiva. No momento em que o mundo parou, nós médicos, começamos a nos movimentar para criar estratégias que unissem o trabalho indispensável na tentativa de combater essa doença nova e letal sem ferir a nossa segurança e a de nossos filhos, familiares e amigos.

Fui para o sítio da família com meus filhos, mas o juramento feito a Hipócrates falou mais alto e eu voltei ao trabalho. Retomei os atendimentos de urgência e comecei a avaliar as oportunidades que tinham no momento.

Foi quando Noronha apareceu em minha vida. Revebi um e-mail solicitando a contratação imediata para trabalhar por 3 meses na frente de combate ao Corona vírus em Fernando de Noronha. Sem filhos, sem família e quase sem casos da doença. Que proposta!

Meus meninos, Rafael (6 anos) e Miguel (4 anos) ficaram isolados na fazenda enquanto vim trabalhar. Sabia que não os veria por algum tempo mesmo estando em SP pois além deles estavam minha avó e mais alguns familiares com alto risco para contrair o COVID.

Eu estava exposta ao Corona vírus. Mais ainda em SP. Foi aí que decidi ir para a ilha. Sozinha, cheia de incertezas e angústias, mas com a certeza de escolher o melhor lugar para trabalhar e conseguir voltar para meus filhos.

Dia 25 de abril embarquei nessa aventura, em meio a uma – nunca vista – pandemia mundial. Como surfista e amante das práticas esportivas infinitas que o mar nos possibilita, cheguei de mala e prancha. Fiz quarentena e ficamos isolados por mais de 30 dias sem sentir, nem mesmo, a brisa do mar.

Mas a vida tem das suas surpresas! A administração da ilha junto à equipe de saúde fez uma estratégia intensa de isolamento domiciliar, cuidados e controle dos contratantes que – em cerca de 40 dias após minha chegada – conseguimos zerar os casos de COVID na ilha. Zeramos os casos! Zeramos o caos! Parecia que estávamos ganhando uma copa do mundo quando os resultados oficiais foram anunciados. Os nativos gritavam e vibravam pela vitória – mesmo que não permanente – contra essa doença que já estava matando (e muito) no mundo todo.

Mantivemos todos os cuidados preventivos, máscara na rua e até polícia na retaguarda para os que desobedecessem às regras impostas. Dessa forma, as praias foram lentamente reabertas, o surf, o mergulho também. A pequena liberdade que nos foi dada gradualmente foi a alegria desses tantos dias.

Noronha também me proporcionou conhecer um paraíso que era sonho para mim. Sempre tive planos de surfar, mergulhar, aproveitar as lindas paisagens nesse lugar tão mágico. Como dizem os ilhéus, a ilha tem vida própria e escolhe quem deve ficar e quem deve se retirar de lá. E acho que me escolheu para ficar.

Em meio a tanta saudade dos meus filhos eu não me via em outro lugar que não lá. Todos os dias eu me sentia parte daquilo. Comecei a atuar voluntariamente como cirurgiã dermatológica para ajudar as pessoas que apresentavam doenças que ficariam esquecidas por um bom tempo visto que não havia previsão de retomada de ambulatórios de especialidades e nem que ida a Recife para os tratamentos cirúrgicos.

Comecei a operar muita gente nos plantões de emergência no Hospital São Lucas. Foram muitos, muitos procedimentos! E como eu gostava de fazer! As pessoas foram me conhecendo, fomos nos afeiçoando e, de repente, eu era de lá. Eu me sentia nativa. A comunidade noronhense me incluiu assim, me amou reciprocamente e eu me apaixonei. Sem contar a nossa equipe médica, que realmente era minha família. Todos os dias, 24 horas, estávamos juntos. Seja trabalhando, auxiliando um ao outro mesmo nas folgas, nos passeios, nas pescarias, nos perrengues. Na alegria estávamos juntos agradecendo e multiplicando. Nos momentos de tristeza e dor, éramos todos ombros e consolo uns dos outros. Muito obrigada por isso, Diego, Raissa, Mel (filha deste casalzão de médicos e minha princesa e melhor amiga, nossa galega mascote oficial) e Bruno.

Voltei a São Paulo dia 25/07/2020 porque não havia mais como continuar sem meus filhos. A saudade já batia muito forte e eles também precisavam de mim. Voltei chorando. De saudades, de alegria, de tristeza, de satisfação.

Noronha, foi uma honra ter servido em seu nome. Foi um privilégio ter sido escolhida por você para esse momento único na história do mundo, da saúde e também na minha história. Este momento jamais será esquecido.

Nos dias nublados de SP, lembro dos inúmeros frenesis que tive ao pôr-do-sol, mergulhando, tratando de pessoas que depois vinham me abraçar na rua. Pessoas que me chamavam pelo nome sem eu ao menos conhecer e me ofertavam o que eles tinham de mais rico ali: seus alimentos, seu carinho, sua admiração. E eu os amava na mesma intensidade, com a mesma reciprocidade!

Mantenho guardado em meu coração todos os gestos de amor que recebi de cada um que encontrei na ilha. De cada cantinho que descobri ali, longe dos turistas, longe da cidade, longe de qualquer tipo de coisa considerada superficial ou supérflua. Distante de glamour, luxo, conforto, mas perto do que realmente importa. Conexão com o que tem valor e não preço.

Estar conectada com o ambiente natural, minhas origens, minha essência de ser humano, mulher, médica, mãe me fez um indivíduo melhor para dar os próximos passos, seja em São Paulo, Noronha ou qualquer canto desse mundo. O que é de verdade é invisível aos olhos. Posso afirmar de olhos fechados que cada dia eu enxergo mais a verdade sobre a vida, sobre viver e sobre o que é ser feliz. Obrigada, ilha. Obrigada, Noronha.

Conheça mais: Dra. Juliane Viana

Imprensa concedida por: Roberta Nuñez – RN Assessoria Imprensa

***O texto acima é de inteira responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal S4.

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